quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

(4)-FENICIOS

As características geográficas do território que este povo habitava influenciaram profundamente o curso da sua história. Situado na extremidade oriental do Mediterrâneo, distingue-se por três elevações montanhosas cujo centro se abre em duas correntes paralelas: ao norte, do território que inclue o Líbano até Antioquia, e ao sul até findar perto do deserto da Arábia. Entre as duas cadeias montanhosas se estende o altiplano de Begaa onde brotam as nascentes dos três grandes rios: Oronte, Nahr el-Kebir e o Jordão.
Entre as muitas passagens que permitiam transpor estas cadeias montanhosas, somente aquelas situadas ao longo do percurso do Oronte e do Nahr el-Kebir eram facilmente transitáveis, porque entre o rio Jordão e a costa, os maciços meridionais constituíam, nos tempos remotos, o “país do leite e do mel” e terminavam semi-abruptamente sobre o mar, o que dificultava o atraque de navios.
Ao contrario, os maciços centrais e meridionais, desenhavam uma costa sinuosa rica de enseadas e portos naturais, muito apropriadas para o atraque e a carga e descarga dos produtos negociados através do comercio marítimo.
Este território - aproximadamente 3500 milhas quadradas - localizado em um ponto de passagem obrigatório entre o Egito e a Ásia Menor, e entre o mar Mediterrâneo e a Mesopotâmia, mesmo se a terra arável não era totalmente plana, era fértil, de vegetação variada e clima saudável, enquanto as regiões montanhosas cobertas de bosques eram ricas de madeira cuja extração servia para construir navios e exportar. Além disso, a quase totalidade dos declives entre as áreas montanhosas e o mar, eram cobertos de oliveiras e vinhedos.
Povoado desde o III milênio a.C. por populações semíticas, estas fundaram diversos portos que também se constituíam em pequenos principados autônomos: Tiro, Sidon, Bérito - hoje Beirute – Trípoli e Gebal - hoje Biblos. No primeiro período viveram da agricultura, e esta atividade, de acordo com a sua religião, era protegida por deuses como Hei - o criador, Baal - o deus da chuva e das tempestades, Astarteia - a deusa da fertilidade e outros. No entanto, a modesta extensão do seu território os forçou a explorar o mar.
Com as arvores de cedro que retiravam das montanhas começaram a construir pequenas embarcações para a pesca. Mais tarde, estas foram substituídas por sólidos navios, longos entre dez a vinte metros e movidos por duas ou três fileiras de remos de cada lado que eram acionados por prisioneiros ou escravos. Em razão destas experiências, os fenícios se tornaram também espertos navegadores uma vez que haviam aprendido a se orientar visualmente pelas características geográficas das costas bem como pelas estrelas.
Foi assim que os fenícios, originalmente agricultores, tornaram-se hábeis comerciantes e verdadeiros corretores entre o ocidente e o oriente, porque seus navios, ao lhe permitir sulcar o Mediterrâneo, tornaram-se o transporte ideal para exportar trigo, azeite e madeira, além dos produtos da sua indústria que era o bronze, vidro, jóias, móveis, tecidos e púrpura.
Por outro lado, para se abastecerem da matéria prima inexistente no seu território, atravessavam as colunas de Hércules - estreito de Gibraltar - e iam buscar o estanho nas ilhas Cassiteritas -nome antigo de um arquipélago formado, provavelmente, pelas atuais ilhas Schilly, a sudoeste da Grã-Bretanha.
A origem dos fenícios, que uma corrente de etnólogos considera semita da mesma família hebraica, por outros é avaliada camita - povo originário da áfrica do nordeste que, mestiçado aos negros que ali residiam anteriormente, acabaram formando um dos grandes elementos da população da áfrica oriental. A língua e as características somáticas dos fenícios, entretanto, confirmam a primeira hipótese.
Acredita-se que originalmente habitavam as costas do Golfo Pérsico, mas que, ainda antes da guerra de Tróia, migraram para o ocidente fixando-se nas margens do Mediterrâneo.
Justino, o historiador latino do II século d.C. que resumiu a história universal de Trogo Pompeu, afirma que a sua migração foi forçada por um cataclismo, enquanto o historiador grego Heródoto - 484-420 a.C. - relata que eles mesmos diziam que eram originários das regiões do mar vermelho e que haviam chegado - segundo as informações que ele mesmo colhera de um sacerdote no IV século a.C. - aproximadamente 3000 anos a.C.
Entre 1600 e 1200 a.C. a Fenícia mantinha estreitas relações com o Egito, e talvez, devido à força daquele império, lhe fosse dependente até a metade do XIII século a.C. quando a civilização egípcia começou a decair.
Neste período Sidon foi à cidade mais importante da Fenícia, tendo sido depois superada por Tiro que se tornou a principal até o IX século a.C.
Quando a Assíria começou sua expansão para o ocidente, a Fenícia dê-la se tornou dependente pagando-lhe impostos. Esta situação prevaleceu até o VII século a.C. quando recuperou a independência para em seguida perdê-la novamente sob o jugo dos egípcios e babilônicos. Esta situação se repetia porque os fenícios, não sendo guerreiros mas amantes da paz, preferiam comprar a proteção dos fortes impérios vizinhos pagando-lhes tributos.
No ano 527 a.C., Cambise II - rei da Pérsia e filho de Ciro II - ao conquistar o Egito absorveu a Fenícia que, mesmo mantendo seu próprio governo, passou a fazer parte deste país enquanto no Egito era fundada a XXVII dinastia.
No ano 332 a.C., Alexandre Magno, rei da Macedônia, filho de Felipe III e discípulo de Aristóteles, depois de invadir a Grécia e ter se feito nomear chefe supremo das tropas que estavam sendo preparadas para combater os persianos em Corinto, atravessou o Helesponto - antigo nome do estreito de Dardanelos - e venceu as tropas de Dario III no rio Granico conquistando assim a cidade de Tiro e o Egito. Fundou Alexandria e mais tarde, atravessando o Eufrates e o Tigre, obteve a vitória definitiva contra os persas em Arbelas, cidade da Síria, em 331 a.C.
Nos anos seguintes a civilização Fenícia passou a sofrer a influencia da cultura Grega até passar sob o domínio romano em 69 a.C., com a Síria.
As cidades fenícias eram governadas por reis que transmitiam seu cargo hereditariamente. Ma a de Tiro por algum tempo foi uma exceção porque no VI século foi governada por magistrados chamados “sufeti” que eram eleitos pelo povo por um período de doze meses. Estes, com responsabilidades exclusivamente civis, coordenavam as relações internacionais e através de um corpo de funcionários, legislavam jurídica e administrativamente.
Os achados mais antigos da suave atividade militar fenícia foram encontrados em tumbas na Sardenha, Itália. Eram lanças, espadas e punhais que foram datados entre o VII e o VI século a.C.
Os fenícios fizeram numerosas benfeitorias em Chipre no X século, mas, ao serem expulsos pelos gregos, instalaram-se em Malta, na Sardenha, na Espanha e na África do Norte além de fundar Cartago. Segundo Plínio o velho, foram os fenícios a inventar o alfabeto (História Natural, V.12), todavia, quinhentos anos antes Heródoto havia escrito: Os fenícios que chegaram à Grécia com Cadmo introduziram entre os gregos o alfabeto que até então, segundo creio, estes não possuíam (Historia Natural V, 58).
Mas há discordância entre as informações antigas porque Diodoro Siculo diz: Contrariando aqueles que afirmam que foram os sírios a inventar o alfabeto e que os fenícios o aprenderam com eles para depois ensiná-lo aos gregos, os Cretenses sustentam que não foram os fenícios a inventá-lo, porque eles se limitaram a mudar suas formas. Independentemente deste aspecto, o alfabeto fenício não é o mais antigo visto que os egípcios já utilizavam alguns hieróglifos como sinais fonéticos ainda que não os adotassem como um sistema alfabético.
Hoje, alguns estudiosos são propensos a aceitar que em Creta já existia uma forma de escrita quase linear e alfabética muito anterior à da fenícia, e não excluem que tenha havido uma derivação monóica das letras fenícias, porque a influência da cultura do Egeu na terra de Canaã era notável.
Durante o II milênio a.C. apareceram em Biblos dois textos dos quais um permanece até hoje indecifrável. Mas o outro, encontrado gravado em um sarcófago chamado “de Ahiram” é um escrito completo e legível em cujos sinais alfabéticos são esquematizados objetos bem conhecidos.
É um alfabeto com cerca cem sinais - contendo exclusivamente consoantes - sem espaço para as vogais. Quem introduziu as vogais foram os gregos, e para completar o seu alfabeto utilizaram as consoantes fenícias.
Os nomes indicam claramente a origem: “Alef” – touro – representado por dois chifres. “Gimel” – camelo – representado por duas corcundas. “Bet” – casa - = representada por uma tenda. “Vod” – mão – representada por uma mão até o pulso.“Resh” – cabeça – representada por um pequeno triangulo com um olho em sua parte superior, etc.
A tradição diz que Cadmo, filho de Agenor rei de Tiro, enquanto procurava a deusa Europa raptada por Zeus, fundou na Beócia a cidade de Tebas e ensinou aos tebanos o alfabeto fenício. Deste, teria derivado inicialmente o alfabeto grego e depois o romano, enquanto no oriente o alfabeto fenício teria passado por um processo de esquematização - uma espécie de estenografia - tornando-se o árabe.
Os poemas de Homero são os primeiros exemplos da dupla atitudes dos gregos. Enquanto por um lado afirmavam que os fenícios eram excelentes navegadores, do outro diziam que em todas as demais áreas a sua cultura era inferior.
Na Ilíada os fenícios são descritos como expertos artesãos de metais e produtores de bens luxuosos como o tecido, enquanto na Odisséia é dito que são potentes nos mares, mas que, como comerciantes de escravos e piratas, infestavam as águas da Grécia.
Os estudos do Pantheon fenício demonstram que os reis de Sidon, de Biblos e Tiro eram também grandes sacerdotes de Baalat, Astarteia e Melcuart, e que nos tempos em que eram dominadas pelos persas as atividades religiosas foram mais importantes do que a política.
Os reis fenícios e os “sufeti” presidiam as cerimônias litúrgicas nos momentos mais difíceis da vida social, enquanto que as cerimônias ordinárias eram celebradas pelos sacerdotes comuns. Estes, sob o comando do grande sacerdote mor, que alem disso administrava a estrutura dedicada à religiosidade, eram organizados hierarquicamente.
De Kition, na ilha de Chipre, foi extraído um importante testemunho do que era a vida no templo na metade do V século a.C. Trata-se de um documento que era utilizado na atividade administrativa para controlar a receita e a despesa. Este, que contem a relação dos salários pagos aos dependentes do templo, tais como pedreiros, coristas, açougueiros, barbeiros, mestres etc., deixa claro que entre todos eles os de maior importância era o sacerdote e o mestre dos sacrifícios.
Entre a receita há uma que se refere à cobrança de taxas nos rituais de fertilidade que eram exercidas nos templos, similares aos eram praticados no templo de Salomão, em Jerusalém. Nestes rituais - em síntese um culto em que se praticava o sexo - participavam as mulheres da localidade que pelo menos uma vez na vida deviam se oferecer para isso. E homens, normalmente estrangeiros, em busca do “êxtase divino”, o sagrado, a explosão da força da natureza entre um macho e uma fêmea. Isso contribuiu para que os templos de Biblos se tornassem célebres.
O ritual mais “forte” praticado pelos fenícios era o sacrifício humano, e entre estes o das crianças, mas não se sabe qual era o seu objetivo. Rituais como estes, como veremos depois, passaram a ser praticados também entre as civilizações da América Central.
Na bíblia fala-se de rituais chamados “tofet” e estes são mencionados pelos pais da igreja que afirmam que se destinavam ao deus Moloch - em hebraico molek - que era uma divindade Cananéia.
Os templos fenícios eram edificados, como todos os que eram construídos por outros povos da época - ainda hoje a estrutura base das igrejas, católicas ou não, obedecem a critérios similares - de acordo com regras que presidiam a construção de locais de culto na civilização semítica: havia uma muralha de cinta retangular que separava a área profana daquela sagrada e no centro dela surgia o templo.
Em Biblos, no centro do espaço sagrado, erguia-se um grande “betílo”, ou seja, uma pedra sagrada que representava o deus sol, enquanto outros betílos se elevavam, isolados ou agrupados, em outros locais.
Alguns tinham o aspecto de obeliscos ou de pilastras, enquanto outros eram largos com ou sem nichos. O termo betílo deriva de duas palavras semíticas que significa “casa do deus”. “Casas do deus” semelhantes foram encontradas em toda a área da Cananéia e na península arábica. Na Meca, a cidade da Arábia Saudita capital do Hedjaz, terra natal de Maomé, os últimos betílos chamados ”ansab” foram destruídos com a difusão do Islã. Sob vários aspectos estas “pedras” são similares aos dolmens dos Celtas, as pedras monolíticas sagradas onde os druidas, entre outras coisas, realizavam os sacrifícios humanos.
No templo de Biblos, conhecido como “dos obeliscos” foram encontradas cerca de 300 estatuetas que, por determinadas características, julgou-se que eram egípcias, entretanto, posteriormente foi comprovado que eram obras fenícias. A maioria são animais produzidos no III milênio - os do II milênio são muito mais aperfeiçoados - macacos em pé, gatos dormindo, chacais em fuga, leões, e hipopótamos com a boca aberta, tão bem produzidos que transmitem a idéia que estão vivos.
Alem destes animais existem figuras grotescas de homens com expressões singulares: rindo, bebendo, comendo, com a cabeça entre as mãos ou esfregando os olhos com as mãos. Estas figuras de terracota, argila esculpida ou modelada e seca no forno, encontrada sobretudo nos templos e nas tumbas, eram muito difusas.
O grupo maior foi encontrado em Kherayeb, entre Tiro e Sidon. Algumas são bustos de homens fortes, de barba ampla e os cabelos cortados sobre os ombros, ou homens estrangulando serpentes.
A morte, para os fenícios, era personificada pela deusa “Mut”, uma divindade envolvida na criação, e o ritual praticado quando alguém morria começava com lamentações que continuavam durante todo o tempo em que o corpo era envolvido em faixas, embalsamado, para depois ser colocado em um sarcófago ou simplesmente depositado sobre um “leito” de rocha dentro do sepulcro. O sepulcro era considerado a moradia do corpo enquanto a alma subia ao deus sol. Uma crença similar a dos egípcios, talvez absolvida durante o tempo em que a sua cultura esteve a eles atrelada.
Ovos de avestruz decorados são uma característica constante nas tumbas egípcias e mesopotamicas do III milênio a.C., e das tumbas micenas do II milênio, mas a sua presencia nas tumbas fenícias é tão consistente que se deduz que é um símbolo típico de todas estas civilizações.
O ovo é o símbolo da vida e da regeneração. Na cosmogonia fenícia, como na de outros povos, no caos primordial, antes do inicio do mundo, havia só escuridão e vento até aparecer um enorme ovo cósmico que se separou no meio. A parte superior originou o cosmo e a inferior a Terra com tudo o que ela contém.
Entre os hebreus é costume distribuir no dia seguinte, para todos os integrantes da família daquele que morreu, um ovo, que mais uma vez representa a vida porque a sua circunferência não tem inicio e muito menos fim.
Plínio o velho atribuía aos fenícios a invenção do vidro (Hist.Nat.,XXXVI,190-199). Segundo ele entre o VII o VI século a.C. as praias daquelas regiões, em particular as que banhavam as terras fenícias, abrigavam inúmeras oficinas que produziam artefatos de vidro. Hoje, no entanto, é demonstrado que estas técnicas já haviam sido descobertas na Mesopotâmia no III milênio a.C. Estudos mais recentes, contudo, indicam que a manufatura do vidro foi um processo que os mesopotamicos transmitiram aos egípcios. Como os fenícios estiveram ligados a este povo, com ele devem ter aprendido a técnica da fabricação do vidro, técnica esta que posteriormente irradiou para toda a área do Mediterrâneo.
Os fenícios foram também hábeis artesões na fabricação de cerâmica, na época uma necessidade seja para o uso domestico - pratos, água, alimento, leite etc. - como para o uso comercial - transporte de líquidos como o azeite e o vinho, assim como para o uso decorativo e funerário -incinerações, depositórios de ossos etc.

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